Estive há pouco tempo em uma degustação de vinhos da Demartino – vinícola da qual já falei a respeito antes – que me chamou a atenção por produzir um vinho de Cinsault fermentado em ânforas de argila no remoto vale chileno do Itata.
A degustação, guiada pelo gerente comercial da vinícola Cristian Castro, começou de forma inusitada e criativa. No telão, foram projetadas imagens de duas atrizes famosas na mídia norte-americana: Gwyneth Paltrow, esbelta e elegante num vestido longo azul no tapete do Oscar e Pamela Anderson, no seu habitual maiô vermelho – que evidencia o tamanho dos seus seios – usado na série de TV que a consagrou, Baywatch.
A analogia, divertida e irreverente, foi usada para explicar a filosofia dos vinhos da vinícola fazendo um paralelo entre elegância e potência. Ele foi enfático ao dizer: “Nós não somos Pamela Anderson. Nossos vinhos privilegiam a elegância, não a potência ou o exagero.”
Risos a parte e respeitando o gosto de cada um – para mulheres e para vinhos – tenho que admitir que prefiro a elegância também. Vinhos muito potentes em um primeiro momento podem impressionar mas cansam o paladar rapidamente. Lembro bem de quando aprendi a gostar de vinhos. Tudo em excesso era mais perceptível e portanto, atraente. Com o passar do tempo fui percebendo que os melhores vinhos eram aqueles sutis, elegantes e fluídos, ou como muitos enólogos costumam dizer, “vinhos verticais”.
Num cenário onde gigantes como Concha y Toro e Santa Carolina dominam o mercado chileno e ditam o estilo dominante do vinho no país acredito que esse seja o melhor caminho a se seguir. Cada vez mais tenho observado a preocupação das “minorias” chilenas em produzir vinhos equilibrados, redondos e elegantes. Sem muita maquiagem enológica ou exageros de álcool, extração e madeira para impressionar o consumidor.
Espero que os novos projetos vinícolas Chile privilegiem mais o “estilo Gwyneth Paltrow” de fazer vinhos como a Demartino. A seguir, trechos de uma pequena entrevista feita com Cristian após a degustação:
Que variedades de uva vocês cultivam atualmente?
Trabalhamos com quatro variedades brancas: as clássicas Sauvignon Blanc e Chardonnay além de Viognier e Moscatel. E as tintas Cabernet Sauvignon, Merlot, Carmenere, Malbec, Syrah e mais recentemente Petit Verdot, Petit Sirah, Cinsault e Carignan.
Depois de ter explorado 347 vinhedos em diferentes regiões no Chile, ainda há algum novo vale a ser descoberto?
Sempre, sobretudo pelo aquecimento global. Como temos problema de falta de água no Chile, as pessoas estão começando a olhar para o sul do país. Acredito que lá surgirão novas explorações vinícolas.
Qual foi o maior desafio que vocês tiveram na implantação de vinhedos em zonas tão remotas nos extremos norte e sul do país?
Uma grande dificuldade que temos na implantação de vinhedos no norte do país, como nos vales do Elqui, LImarí e Choapa é a falta de água. Já no sul, onde temos água em abundância, temos que controlar o nível de humidade do solo e a carga produtiva das videiras para poder obter uvas com concentração para um vinho de ótima qualidade.
Como surgiu a ideia de trabalhar com variedades de uvas que não são tradicionais chilenas ou que não tenham um apelo comercial como a Cinsault e Carignan?
Esta é a filosofia da nossa vinícola. Buscamos fazer vinhos gastronômicos e que não sejam o típico vinho chileno. Nosso slogan é “Reinventando Chile”. Não buscamos fazer apenas o clássico Cabernet, Merlot ou Syrah, mas apostamos em uvas novas no cenário chileno que produzam vinhos gastronômicos como a Carignan, Cinsault e Petit Sirah.
E sobre o resgate de métodos ancestrais de vinificação como o usos de ânforas de barro para fermentação?
Foi muito interessante, essa ideia surgiu em 2010, quando praticamente todo vinho chileno reserva e gran reserva tinha passo por barricas de carvalho novo. Decidimos então reinventar e usar outros recipientes como os fudres (grandes tonéis de madeira) e mais recente essa linha em ânforas buscando justamente diminuir a influencia do carvalho no vinho e poder assim, expressar a tipicidade clássica de cada uva e do solo da região.
Qual é o seu vale preferido no Chile?
O Vale do Limarí, pela complexidade do solo. É um solo muito calcário, com uma quantidade alta de sais minerais, que impacta muito na mineralidade dos vinhos brancos como o Chardonnay.
Se hoje você tivesse que escolher um vinho da De martino para levar consigo a uma ilha deserta, qual seria?
É uma pergunta difícil, mas acho que levaria o Legado Syrah Gran Reserva do Vale do Choapa, uma região de solos formados por ação de terremotos, que permitem produzir um syrah muito elegante e mineral.
Se você fosse uma uva, qual seria e por que?
(Risos) deixe-me pensar… acho que seria uma Merlot, uma uva fácil de trabalhar, que suporta adversidades de clima e ainda sim consegue níveis de açúcar interessantes. E como me considero uma pessoa de caráter mais fácil, mais dócil, acho que seria uma Merlot.